Archivo Español de Arqueología 95
Enero-Diciembre 2022, e01
ISSN: 0066-6742, eISSN: 1988-3110, ISSN-L: 0066-6742
https://doi.org/10.3989/aespa.095.022.01

Myrtilis durante o I milénio a. C.: uma leitura historiográfica*Este trabalho realizou-se no âmbito do Projecto “O Baixo e Médio Guadiana (sécs. VIII a. C. - I d. C.): Percursos de uma fronteira”, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, I. P. (SFRH/BPD/110188/2015).

Myrtilis during the I Millenium BC: a Historiographical review

Pedro Albuquerque

Universidad de Sevilla, Uniarq (Universidade de Lisboa), Centro de Estudos Globais (Universidade Aberta)

https://orcid.org/0000-0003-4800-7343

Ana Mateos-Orozco

Universidad de Sevilla

https://orcid.org/0000-0002-8778-5116

RESUMO

O presente trabalho incide sobre a produção historiográfica relativa ao I milénio a. C. em Myrtilis (Mértola, Portugal) entre as primeiras fontes árabes e os trabalhos de Estácio da Veiga em 1877. Analisam-se fontes primárias, assim como bibliografia crítica sobre dados arqueológicos, fontes greco-latinas, falsas etimologias e numismas, que tratam a origem dos fundadores da cidade. Esta investigação permitiu sistematizar as fontes disponíveis para o estudo de Myrtilis e avaliar a evolução da representação do período pré-romano antes das primeiras prospecções arqueológicas neste território. Além disso, conclui-se que a maior parte das propostas apresentadas não sofreram alterações significativas até finais do século XIX, e que a escassez de contextos primários não permitiu responder a algumas questões que ainda hoje se colocam, nomeadamente a cronologia da primeira fase de ocupação.

Palavras-chave: 
Mértola; Idade do Ferro; historiografia; falsas etimologias.
ABSTRACT

The main goal of this paper is to provide an insight into the historiography of the 1st Millenium BC in Myrtilis (Mértola, Portugal) between the first Arabic sources and the works of Estácio da Veiga in 1877. We examine the scholar’s treatment of the archaeological record, classical sources, (false) etymologies, and coins, within the search for Myrtilis’ origins and first settlers in the primary sources. This study enabled us to systematize these sources and to analyse the evolution of the depiction of that period before the first archaeological surveys in this territory. We conclude that most of these statements did not change critically until the end of the 19th Century, and that the scarcity of primary archaeological contexts did not allow us to answer some questions, namely the chronology of the first human settlement in Myrtilis.

Keywords: 
Mértola; Iron Age; historiography; false etymologies.
RESUMEN

El presente trabajo analiza la producción historiográfica relativa al I milenio a. C. en Myrtilis (Mértola) entre las primeras fuentes árabes y los trabajos de Estácio da Veiga en 1877. Se analizan fuentes primarias, así como bibliografía crítica sobre datos arqueológicos, fuentes grecolatinas, falsas etimologías y numismas, que tratan la identificación del origen de los fundadores de la ciudad. Esta investigación ha permitido sistematizar las fuentes disponibles para el estudio de Myrtilis y estudiar la evolución de la representación del periodo prerromano antes de las primeras prospecciones arqueológicas en este territorio. Se concluye, asimismo, que la mayor parte de las propuestas presentadas no cambiaron significativamente hasta finales del siglo XIX, y que la escasez de contextos primarios no había permitido responder a algunas cuestiones, tales como la cronología de la primera fase de ocupación.

Palabras clave: 
Mértola; Edad del Hierro; historiografía; falsas etimologías.

Enviado: 22-10-2020. Aceptado: 01-03-2021. Publicado online: 29-03-2022

Cómo citar este artículo/Citation: Albuquerque, P. y Mateos-Orozco, A. (2022). "Myrtilis durante o I milénio a. C.: uma leitura historiográfica". Archivo Español de Arqueología, 95, e01. https://doi.org/10.3989/aespa.095.022.01

CONTENIDO

1. INTRODUÇÃO

 

Escrever a história dos olhares sobre a antiga Myrtilis é uma tarefa que permite constatar de que modo o longo percurso histórico desta vila alentejana despertou o interesse de vários eruditos desde, pelo menos, o séc. XVI. É nesse século que surgem as primeiras tentativas de interpretação dos documentos disponíveis para a identificação dos seus fundadores, que por sua vez são o produto das interrogações destes autores sobre as fontes greco-latinas, a etimologia do topónimo Myrtilis, a epigrafia, as estátuas e as moedas.

Considerou-se oportuno analisar com brevidade alguns manuscritos ou testimonia que antecedem os principais autores quinhentistas. Convém, desde já, dizer que esta herança não afectou, necessariamente, a transmissão de informações sobre Mértola, em parte devido aos interesses que moviam autores como, por exemplo, Al-Rāzī (século X). Na sua obra, tal como noutras, o nome da actual vila surge no contexto de uma descrição geográfica, faltando por isso informações sobre o seu passado mais além de uma breve menção a “construções antigas”. A isto junta-se o conjunto de autores cujas obras se conhecem por intermédio de textos posteriores (Laimundo de Ortega, Pedro Aládio, as Annotationes de António Pinheiro, etc.) e que, amiúde, foram questionadas na sua autenticidade.

O presente trabalho constitui uma proposta de sistematização crítica do legado acumulado ao longo dos séculos sobre a antiguidade de Mértola, particularmente do I milénio a. C., correspondente, grosso modo, à Idade do Ferro e aos primeiros séculos de ocupação romana, onde se referem todos (ou quase todos, assumindo a priori que algum possa ter escapado à nossa investigação) os contributos para esta questão publicados antes da obra de Estácio da Veiga (1880)Veiga, S. P. E. da (1880). Memória das Antiguidades de Mértola, observadas em 1877 e relatadas. Lisboa, Imprensa Nacional..

Genericamente, a pesquisa incidiu sobre fontes primárias medievais e modernas de carácter geográfico, corográfico e historiográfico, onde se refere a recepção das fontes clássicas que mencionam Mértola, assim como as várias leituras sobre a sua origem através de conjecturas sobre a etimologia do topónimo. Acrescenta-se, ainda, bibliografia crítica elaborada sobre aqueles textos em geral e sobre aspectos particulares que podem elucidar-nos sobre os motivos que conduziram à elaboração das propostas apresentadas entre o referido Al-Rāzī e Estácio da Veiga, com especial incidência no séc. XVI1As transcrições dos textos são semi-diplomáticas, i.e., respeitam a ortografia original, embora se desenvolvam abreviaturas e se coloque pontuação para uma melhor compreensão. . Considerou-se pertinente dividir este percurso em duas fases: na primeira, a produção bibliográfica apresenta dados de carácter meramente geográfico ou depende dos textos greco-latinos e das especulações etimológicas; na segunda, inaugurada por André de Resende, privilegiam-se, além dos aspectos anteriores, os elementos materiais que constituem testemunho de ocupações antigas. Entre estes autores e 1877 não se registam novidades significativas ao nível dos temas de estudo, à excepção dos numismas de Myrtilis a partir de finais do séc. XVIII. Os trabalhos do último quartel do séc. XIX, pode dizer-se, encerram um ciclo interessante de leituras que se basearam tanto no legado clássico como nas fontes quinhentistas e que antecedem a investigação arqueológica propriamente dita.

Julgou-se, não obstante, oportuno apresentar, no capítulo de discussão e considerações finais, o debate sobre a questão do topónimo (transversal a estas fases), assim como uma breve reflexão sobre as investigações do I milénio a. C. em Mértola depois de Estácio da Veiga.

2. DE AL-RĀZĪ A ANDRÉ DE RESENDE

 

André de Resende não foi o primeiro a destacar a importância de Mértola e a sua antiguidade, embora seja evidente que não havia muito a acrescentar às escassas referências das fontes clássicas, que assinalam o estatuto de Myrtilis Iulia sob o domínio romano (Faria, 1995Faria, A. M. (1995). “Plínio-o-Velho e os estatutos das cidades privilegiadas hispano-romanas localizadas no actual território português”. Vipasca, 4, pp. 89-99.; 2001Faria, A. M. (2001). “Oppida ueteris Latii Ebora, quod item Liberalitas Iulia, et Myrtilis ac Salacia (Plin, nat. 4.117)”. Vipasca, 10, pp. 71-82.) e a sua posição no contexto das vias romanas de acordo com a informação proporcionada pelos itinerários (cf. Barreiros, 1561, p. 7Barreiros, G. (1561). Chorographia de alguns lugares que stam em hum caminho que fez Gaspar Barreiros ó anno de MDXXXXVJ começãdo na cidade de Badajoz em Castella te à de Milam em Italia, cõ alguas outras obras, cujo catálogo vai scripto com os nomes dos dictos. Évora: Ioã Aluarez.). Estes textos foram utilizados por um famoso cronista cordovês, Al-Rāzī, que escreveu, na primeira metade do séc. X, uma obra intitulada Ajbar mulūk al-Andalus, que ficou conhecida como Crónica do Mouro Rasis (doravante, CR), cujo objectivo primordial era escrever a história do al-Andalus desde os tempos mais remotos. Apesar dos vários problemas que se apontam ao texto sobre o período pré-islâmico (Molina, 1982-1983Molina, L. (1982-1983). “Sobre la procedencia de la historia preislámica inserta en la Crónica del Moro Rasis”. Awrāq, 5-6, pp. 133-139) e até mesmo sobre a autenticidade da crónica (Catalán e De Andrés, 1974, p. XCatalán, D. e De Andrés, S. (1974). Crónica del Moro Rasis … Madrid: Gredos.; Matesanz, 2004, p. 20 ss.Matesanz Gascón, R. (2004). Omeyas, Bizantinos y Mozárabes: en torno a la “Prehistoria fabulosa de España” de Aḥmad Al-Rāzā. Valladolid: EUV.), Al-Rāzī destaca a antiguidade de Pax Iulia e a sua relação com Júlio César ou Hércules (Lévi-Provençal, 1953, p. 48Lévi-Provençal, E. (1953). “La «Desciption de l’Espagne» d’Ahmad Al-Rāzī”. Al-Andalus, 18, pp. 51-108 ).

Efectivamente, a CR chegou até nós através de uma tradução portuguesa, hoje perdida, ordenada por D. Dinis um pouco antes de 1315, terminus ante quem marcado pela morte do tradutor. O texto terá sido integrado na Crónica de 1344 (doravante, Cr1344), que por sua vez mantém uma estreita relação com a CR, com algumas interpolações. A Cr1344, por seu turno, foi refundida por volta de 1400, embora mantendo os dados geográficos da CR (Lavajo, 1991, pp. 127-139Lavajo, J. C. (1991). “A Crónica do Mouro Rasis e a Historiografia portuguesa medieval”. Estudos Orientais 2, pp. 127-154.; Catalán e De Andrés, 1974, p. X ss. Catalán, D. e De Andrés, S. (1974). Crónica del Moro Rasis … Madrid: Gredos.; Rei, 2001, p. 237 ss.Rei, A. (2001). “Manuscrito inédito atribuído à Crónica do Mouro Rasis, em Portugal - o ms. LV do Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa”. O Arqueólogo Português, Série IV, 19, pp. 235-246.). O texto diz o seguinte: “E Beja jaz em terra chãa e ha em seu termho vyllas y castellos, dos quaaes hũu he Mertolla que he o mais forte castello que ha em seu termho. E Mertolla jaz sobre o ryo de Odyana e he muy antigo Castello; e ha hy edifficios antigos” (Cr1344, Cap. 36 = CR, Cap. 26).

Mértola (Mercola, Merçola segundo os manuscritos) é apresentada neste texto como um castelo sobranceiro ao Guadiana cuja antiguidade estava atestada por vestígios (“señales viejas” nos vários manuscritos) aí encontrados (CR, Cap. 26). Lévi-Provençal (1953, p. 88)Lévi-Provençal, E. (1953). “La «Desciption de l’Espagne» d’Ahmad Al-Rāzī”. Al-Andalus, 18, pp. 51-108 traduz por “construções antigas” esta passagem, tal como no cap. 36 do manuscrito da Cr1344.

Chama a atenção a ocupação intensa desta vila desde, pelo menos, a Idade do Ferro, como demonstra a sequência da área de expansão da Biblioteca de Mértola, onde não falta o desmantelamento de estruturas anteriores durante as fases islâmicas propriamente ditas (Palma, 2016Palma, M. F. (2016). “Arqueologia urbana na área de expansão da Bibliteca de Mértola”. Arqueologia Medieval, 13, pp. 5-16.). O texto de Al-Rāzī parece, assim, assinalar uma antiguidade indiciada por vestígios materiais, uma vez que nenhum texto clássico refere a fundação deste oppidum, e as adscrições de Ἰουλία Μυρτιλίς ao mundo turdetano, a par de Πὰξ Ἰουλία, por parte de Ptolomeu (Geo. 2.5.5), não deixam muito espaço de manobra, pelo menos no âmbito da hermenêutica das fontes. Por seu turno, o reaproveitamento de materiais mais antigos foi, mais tarde, salientado por André de Resende e Amador Arrais, possivelmente por observação directa (v. infra).

Apesar desta constatação na CR, a aparente falta de interesse sobre o passado remoto de Mértola não contradiz os objectivos gerais da obra, mas contrasta com a importância da vila no período islâmico, como aliás tem vindo a ser demonstrado na copiosa bibliografia produzida nas últimas décadas pelo Campo Arqueológico de Mértola (CAM) sobre esta época. Em todo o caso, o texto destaca a capacidade defensiva que terá motivado a escolha deste lugar e permite entrever a importância do castelo (Ḥiṣn) no contexto do território de Beja. Outros autores posteriores assinalam, sem mais pormenores, esta característica, entre outros, Al-Idrisi (1100-1165), Yāqūt (1179-1229) ou Ibn Al-Abbar (1199-1260) (Gómez, Macias e Torres, 2007, p. 121Gómez-Martínez, S., Macias, S. e Torres, C. (2007). “Las ciudades del Garb al-Andalus”. En: Al-Andalus: un país de ciudades. Actas del Congreso celebrado en Oropesa (Toledo) del 12 al 14 de marzo de 2005. Toledo: Diputación Provincial, pp. 115-132.; Gómez et al., 2009, p. 409Gómez-Martínez, S., Lopes, V., Torres, C., Palma, M.ª F. e Macias, S. (2009). “Mértola Islâmica: A Madina e o Arrabalde”. Xelb, 9, pp. 407-429. ; Ἀbd al-Karīm, 1974, p. 295Ἀbd Al-Karīm, G. (1974). La España musulmana en la obra de Yaqut (s. XII-XIII): repertorio enciclopédico de ciudades, castillos y lugares de al-Andalus: extraído del Mu›yam al-buldan» (Diccionario de los países). Granada: Seminario de Historia del Islam de la Universidad de Granada.; Machado, 1997, pp. 22-23Machado, J. P. (1997). Ensaios Arábico-portugueses. Lisboa: Editorial Notícias.; Rei, 2005Rei, A. (2005). “O Gharb al-Andalus em dois geógrafos árabes do século VII/XIII: Yâqût al-Hamâwî e Ibn Sa‘îd al-Maghribî”. Medievalista, 1.) (Tab. 1).

Autor Título (edições consultadas) Referência a Mértola Menção de vestigios antigos
Anónimo Dirk bilad al-Andalus (M. Penelas) X
Yakut Mu’djan al-Buldan (F. Wüstenfeld) X
Ibn Idari Al-Bayan al-Mugrib (F. Fernández González) X
Al-Ya’qubi Kitāb al-buldān (M.J. de Goege)
Al-Istajri Al-Masalik wa al-Mamalik (M.J. de Goege)
Al-Muqadasi Ahsan al-taqasim finma’rifat al-aqalim (A. Miquel)
Ibn Hawqal Kitab surat al-ard (J.H. Kramers e G. Wiet; M.J. Romaní Suay) X
Al Himyari Kitab al-Rawd al-Mitar (P. Maestro González) X X
Al-Rāzī Ajbar Muluk al-Andaluz (D. Catalán e M.S. De Andrés) X X
Al-Bakri Kitab al-Masalik Wa-l-Mamlik (E. Vidal)
Al- Qazwini Atar al-Bilad (F. Roldán)
Al Qalqasandi Subh al-A’safi Kitabad al-Insa (L. Seco de Lucena)
Al Idrissi Sifat al-Magrib wa l’Andalus (R. Dozy; M.J. de Goeje) X
Ibn Hayyan Muqtabis (M.M. Antuña)
Tabela 1.  Autores árabes que tratam a Península Ibérica e referências a Mértola (elaboração própria).

Estas obras, de cariz geográfico, não anularam o contributo da CR para a manutenção e consolidação da tradição tubalista e dos antigos povoadores da Península Ibérica. Mais tarde, os autores cristãos deram continuidade a este discurso que tinha início no Dilúvio e nas personagens do Antigo Testamento. Assim, na senda aberta pelas Chronica Maiora de Isidoro de Sevilha (CR, Cap. 64 ss.; Molina, 1982-1983Molina, L. (1982-1983). “Sobre la procedencia de la historia preislámica inserta en la Crónica del Moro Rasis”. Awrāq, 5-6, pp. 133-139), estes textos suplantaram as grandes referências históricas do passado clássico, i.e., a Guerra de Tróia e a fundação de Roma, substituindo-a pelo passado bíblico e pela história régia (Caballero, 2004, p. 399Caballero López, J. A. (2004). “Mito e historia en la “Crónica General de España” de Florián de Ocampo”. En: Domínguez Matito, F. e Lobato López, M.ª L. (coords.), Memoria de la palabra: Actas del VI Congreso de la Asociación Internacional Siglo de Oro, Burgos-La Rioja 15-19 de julio 2002, Vol. 1. Madrid / Frankfurt: Iberoamericana / Vervuert, pp. 397 - 406.; Matesanz, 2004, p. 19Matesanz Gascón, R. (2004). Omeyas, Bizantinos y Mozárabes: en torno a la “Prehistoria fabulosa de España” de Aḥmad Al-Rāzā. Valladolid: EUV.).

Nesta crónica, o passado pré-islâmico adquire a mesma importância histórica do período islâmico, gerando um discurso único no qual se integram as diferentes culturas que habitaram o solo peninsular (Catalán e De Andrés, 1974, p. XXIX ss., CICatalán, D. e De Andrés, S. (1974). Crónica del Moro Rasis … Madrid: Gredos.; Lavajo, 1991, p. 130 ss. Lavajo, J. C. (1991). “A Crónica do Mouro Rasis e a Historiografia portuguesa medieval”. Estudos Orientais 2, pp. 127-154.). Ao mesmo tempo, a CR parece ocultar, nas suas entrelinhas, vestígios de tradições mais antigas, relacionadas com os Cartagineses (Matesanz, 2002Matesanz Gascón, R. (2002). “Fuentes historiográficas medievales para la Protohistoria peninsular: la «Crónica del Moro Rasis» y las formas de implantación púnica en Hispania”. En: Actas del III Congreso de Historia de Andalucía, Prehistoria. Córdoba: Publicaciones Obra Social Cajasur, pp. 175-189. ). A ausência de particularismos da história local (mais comum na historiografia seiscentista) justifica-se, portanto, pelas preocupações destas crónicas no sentido de produzir um discurso histórico de âmbito “nacional”. No entanto, deve dizer-se que a escrupulosa compilação de Elices Ocón (2017, pp. 204, 231)Elices Ocón, J. (2017). El pasado preislámico en al-Andalus: fuentes árabes, recepción de la antigüedad y legitimación en época omeya (ss. VIII-X). Tesis doctoral inédita, Madrid. permite confirmar que as menções a Mértola não são abundantes e que, além disso, a maioria destes textos diz respeito aos períodos romano e tardo-antigo.

Mais tarde, no séc. XV, al-Himyari refere-se a Martula e Mirtula, assim como aos mencionados vestígios antigos do núcleo urbano. Destacou, igualmente, as ruínas de uma fortaleza que seria, para o autor, da época de César Qalysan (Cláudio ou Diocleciano) (García Sanjuán, 2003, p. 138García Sanjuán, A. (2003). Evolución histórica y poblamiento del territorio onubense durante la época andalusí (siglos VIII-XIII). Huelva: Universidad de Huelva.) num lugar denominado Marsa Hasim que foi identificado em Castro Marim (Coelho, 1989, pp. 56-57Coelho, A. B. (1989). Portugal na Espanha Árabe. Lisboa: Caminho) e Sines (Macias e Lopes, 2012, p. 307Macias, S. e Lopes, M. C. (2012). O território de Beja entre a Antiguidade Tardia e a islamização. En: Caballero Zoreda, L., Mateos, P. e Cordero Ruiz, T. (coords.), Visigodos y Omeyas: el territorio. Anejos de Archivo Español de Arqueología LXI. Madrid: CSIC, pp. 305-328.). A sua proximidade em relação a Mértola e junto à costa pode indicar que dita “costa” pode ser fluvial e não marítima, o que incita a um maior aprofundamento no estudo desta importante passagem. Em todo o caso, al-Himyari destacou, igualmente, o potencial defensivo da fortaleza de Mértola. Este, por sua vez, foi representado no início do século XVI por Duarte de Armas, “debuxador” encarregue de avaliar e desenhar o estado das fortalezas fronteiriças portuguesas entre 1509 e 1510, por ordem de D. Manuel (Castelo Branco, 2006Castelo Branco, M. S. (2006). Duarte de Armas: Livro das fortalezas. Fac-simile do ms. 159 da Casa Forte do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, 3ª ed. Lisboa: ANTT, Inapa. ). Estes desenhos (Fig. 1) permitem ter uma ideia aproximada do modo como seria a vila nos inícios do século XVI, bem como do tipo de embarcações que, nesse momento, chegariam ao porto mertolense. O trabalho deste autor não é, porém, relevante para as reflexões aqui expostas.

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Figura 1.  Duas perspectivas de Mértola segundo Duarte d’Armas (1510). Disponível online em https://digitarq.arquivos.pt/ details?id=3909707 (cons. 7/10/2020).

É pertinente assinalar de passagem a questão da procura das raízes nacionais que moldou a historiografia quinhentista e que motivou a apropriação de personagens e paisagens da Antiguidade como fonte de legitimação. Neste contexto, a transcrição e impressão dos textos de Plínio, Estrabão, Ptolomeu, Mela, entre outros, constituiu uma oportunidade para proceder à identificação, no terreno, das paisagens aí mencionadas, assim como para relacionar personagens da Antiguidade com esses lugares, dando assim origem às primeiras corografias modernas (Albuquerque e Ferrer, 2019, com bibliografiaAlbuquerque, P. e Ferrer Albelda, E. (2019). “Las Casitérides: discursos historiográficos y apropiaciones de un topónimo errante (c. 1453 - 1902)”. En: Ferrer Albelda, E. (ed.), La Ruta de las Estrímnides: Navegación y conocimiento del litoral atlántico en la Antigüedad. Alcalá de Henares y Sevilla: UAH, US, pp. 17-66. ).

Em muitos casos, o horror vacui provocado pela ausência de fontes que demonstrassem a antiguidade de um lugar ou, simplesmente, o mencionassem, conduziu a outras leituras que nos interessam particularmente. Referimo-nos, concretamente, às “falsas etimologias” que se baseavam, exclusivamente, em semelhanças fonéticas, mas que tinham um papel de enorme transcendência e relevância no discurso histórico. Basta referir, a título de exemplo e sem pretensão de exaustividade, os nomes das vetustas dinastias espanholas (Ibero, Brigo, etc.) do falso Beroso ou Ânio de Viterbo, a identificação de cidades como Setúbal com o suposto primeiro povoador da Península Ibérica, Tubal, ou mesmo o famoso mito de fundação de Lisboa por Ulisses (entre outros, Arrais, 1589, pp. 54-55Arrais, Fr. A. (1589). Dialogos de Dom Frei Amador Arraiz, bispo de Portalegre. Coimbra: Casa de Antonio de Mariz. ).

Importa, pois, salientar que estas falsas etimologias serviram, em várias ocasiões, para defender a relação entre um lugar e o(s) seu(s) suposto(s) fundador(es). Para o caso que se analisa no presente trabalho, o texto que se segue cita a opinião de uma das personalidades mais relevantes da intelligentsia do reinado de D. João III (1521-1557), D. António Pinheiro (Brito, 1597, fl. 145v-146Brito, Fr. B. de (1597). Monarchia Lusitana: Parte Primeira ... Alcobaça: Mosteiro de Alcobaça.) ou Antonius Pini/ Pino Portodemaeo. Este filho de Porto de Mós referiu-se, numas “advertências de mão que fez de cousas antigas deste Reino” (ibid., fl. 91; Machado, 1741, p. 356Machado, D. B. (1741). Bibliotheca Lusitana ... vol. I. Lisboa: Antonio Isidoro da Fonseca.), a uma possível origem tíria (i.e., cartaginesa) de Mértola:

… & querendo os Tyrios renovar naquela cidade a memoria de sua pátria, lhe chamarão Myrtiri, ou Mirtyris, diruandolhe o nome desta dicção, Myr, que segundo aponta o Bispo Pinheiro, quer dizer em lingoa Tira, cousa nova, & de Tyro sua primeira patria, de modo, que tanto val Mirtyris, como Tyro a noua. Muitos annos depois se lhe mudou corruptamente huma letra, & lhe chamarão Myrtilis, & agora Mertola (Brito, 1597, fl. 145v-146Brito, Fr. B. de (1597). Monarchia Lusitana: Parte Primeira ... Alcobaça: Mosteiro de Alcobaça.).

Uma leitura das passagens em que as “advertências” ou “annotationes” são usadas por Brito na Monarchia permite afirmar, com relativa segurança, que a etimologia fazia parte das inquietações de Pinheiro na reconstituição das “coisas antigas” do território ibérico em geral. Assim, o etnónimo Pesuro (Plin., NH 4.35; Alarcão, 2005Alarcão, J. (2005). “O território dos Paesuri e as suas principais povoações”. Conimbriga, 44, pp. 147-171. DOI: https://doi.org/10.14195/1647-8657_44_4 ) teria uma origem lusitana (“pashur”, “cobarde”), tal como o topónimo Yria, identificado perto de Santiago de Compostela, que significaria “esquadrão” ou “exército de guerra” (Brito, 1597, fls. 91 e 111Brito, Fr. B. de (1597). Monarchia Lusitana: Parte Primeira ... Alcobaça: Mosteiro de Alcobaça.). Murgi seria, por seu turno, um topónimo da “antiga língua de Espanha” que deu origem a Burgos, do mesmo modo que Hermínios (“ásperos” ou “intratáveis”) (ibid., fl. 323). Por último, Évora e Elvas associavam-se e etnónimos (Evorones e Helvécios), o que provaria uma origem celta destas importantes cidades alentejanas (ibid., fl. 286).

A referência à “lingoa tyria” constitui um desafio aliciante no sentido de identificar nas entrelinhas destas leituras o estudo das línguas semitas, em particular do Hebraico, durante o séc. XVI, tanto em Portugal como em Paris. Parece, nesse sentido, interessante pensar que o mencionado antropónimo bíblico Pashur (Ne. 10.3, etc.) pode ter sido conhecido de Pinheiro, o que remeteria para o significado da referência a uma antiga língua falada em solo português. Esta discussão foi mantida, mais tarde, na Origem da Lingoagem Portugueza de Nunes de Leão (1606, pp. 1-16)Leão, D. N. de (1606). Origem da Lingoa Portuguesa per Duarte Nunez de Liao … Lisboa: Pedro Crasbeeck. e estava em sintonia com as teorias sobre os primeiros povoadores da Península Ibérica, como o já mencionado Tubal, assim como com a ideia de que o Hebraico era a prima lingua mundi, da qual derivariam outras, como, aliás, está patente no relato da Torre de Babel2Em Portugal, o Hebraico começou a fazer parte dos programas de Santa Cruz de Coimbra por volta de 1538, seis anos depois da impressão de um léxico, hoje perdido, de Grego e Hebraico (Paiva, 1532; Anselmo, 1926, p. 120, nº 445; Rodrigues, 1973, pp. 16-17), com o objectivo de incrementar a cultura do Clero e a formação de futuros missionários por parte de D. João III (Rodrigues, 1973, p. 3 ss.; Matos, 1950, pp. 32-33), num contexto em que esta língua assumia papel relevante entre os eruditos e eclesiásticos (Beato, 2020). Além-fronteiras, este estudo estava já bastante consolidado em cidades como Paris (p. ex., Gesner, 1540, com reflexões sobre vários idiomas, entre eles o Fenício e, justamente, a sua relação com o Hebraico; Postel, 1552; cf. Matos, 1950, p. 112 ss.). .

Para responder às várias questões suscitadas por estes apontamentos em torno a um texto desaparecido, assim como para desentranhar das entrelinhas dos documentos do (e sobre o) douto portomosense informações relevantes para esta discussão, é de todo o interesse analisar parte do seu percurso intelectual, sobretudo nos vários momentos em que a sua sabedoria foi requerida para o exercício de cronista real. Entre 1527 e 1540, Pinheiro adquiriu uma sólida formação clássica e teológica em Paris como bolseiro enviado por D. João III e, munido desses conhecimentos, exerceu docência no Colégio parisiense de Santa Bárbara, fundado por Diogo de Gouveia Sénior (cf. Matos, 1950Matos, L. de (1950). Les Portugais à l’Université de Paris. Coimbra: Universidade de Coimbra.; Dias, 1969Dias, J. S. S. (1969). A política cultural na época de D. João III. 2 vols. Coimbra: Instituto de Estudos Filosóficos. ; Pereira, 1997, p. 339Pereira, B. F. (1997). “António Pinheiro e os seus In Tertium M. Fabii Quintiliani Librum Commentarii (1538)”. Revista da Faculdade de Letras - Línguas e Literatura, 14, pp. 329-341. ; Cardoso, 1997, p. 126Cardoso, A. P. (1997). “D. António Pinheiro - um notável bispo do séc. XVI”. Humanística e Teologia, 18 (1), pp. 125-139. . Graes, 2008Graes, I. (2008). “D. António Pinheiro: um testemunho jurídico-político na corte quinhentista portuguesa”. Cuadernos de Historia del Derecho, 15, pp. 345-382.; André, 2009André, C. A. (2009). “Retórica e política no ocaso do Império: António Pinheiro de Porto de Mós, humanista e orador da coroa”. En: Soares, N. N. C. e López Moreda, S. (coords.), Génese e consolidação da ideia de Europa, Vol. IV, Idade Média e Renascimento. Coimbra: Imprensa da Universidade, pp. 393-414. ). Assinou várias obras impressas e manuscritas e é recordado, com razão, como homem “doutíssimo na Lingoa Latina, e [… ] consumado nas Letras Divinas, e Humanas” (Figueiredo, 1817Figueiredo, P. J. (1817). Retratos e elogios dos varões e donas que ilustram a nação portugueza em virtudes, letras, armas e artes, assim nacionais, como estranhos, tanto antigos, como modernos, oferecidos aos generosos Portuguezes. Lisboa: Officina de Simão Thaddeo Ferreira.; Machado, 1741, p. 356Machado, D. B. (1741). Bibliotheca Lusitana ... vol. I. Lisboa: Antonio Isidoro da Fonseca.; Farinha, 1784Farinha, B. J. S. (1784). Colleçam das obras portuguezas do sabio bispo de Miranda e de Leyria, Vol. 1. Lisboa: Officina de Filippe da Silva e Azevedo., 1785Farinha, B. J. S. (1785). Colleçam das obras portuguezas do sabio bispo de Miranda e de Leyria, Vol. 2. Lisboa: Officina de Filippe da Silva e Azevedo.; Cardoso, 1997Cardoso, A. P. (1997). “D. António Pinheiro - um notável bispo do séc. XVI”. Humanística e Teologia, 18 (1), pp. 125-139. ). Os comentários ao Livro III de Quintiliano (1538)Quintiliano (1538). M. Fabii Quintiliani, Oratoris eloquentissimi, Instutionum Oratorium Libri XII, singular cum studio tum iudicio doctissimorium uirorum ac fidem uetustissimorum codicum recogniti ac restituti. Eiusdem Declamationum Liber. Additae sunt Petri Mosellani uiri eruditi Annotationes in septem libros priores, & Ioachimi Camerarii in Primum et Secundum. Quibus & accessit doctissimus Cõmentarius Antonii Pino Portodemaei in Tertium, nunc recens editus. Paris: oficina Michaelis Vascosani., assim como a tradução do Panegírico de Plínio-o-Jovem e um manuscrito (produzido entre 1541 e 1543) com uma lição de gramática e oratória latinas (Gómez Iglesias, 1949Gómez Iglesias, A. (1949). “Una lección de latín del siglo XVI: el MS 6498 de la Biblioteca Nacional”. Revista de Archivos, Bibliotecas y Museos, 55, pp. 5-55.; Pereira, 1997, p. 333Pereira, B. F. (1997). “António Pinheiro e os seus In Tertium M. Fabii Quintiliani Librum Commentarii (1538)”. Revista da Faculdade de Letras - Línguas e Literatura, 14, pp. 329-341. ), são testemunho eloquente da vocação com que regressou, por ordem real, a Portugal em 1540.

Já em solo pátrio, Pinheiro substituiu Damião de Góis, que nesse momento enfrentava alguns problemas com a Inquisição (Kopcke, 1838; Viterbo, 1895Viterbo, S. M. S. (1895). “Damião de Góis e D. António Pinheiro”. O Instituto, 42, pp. 431-438.; 1899Viterbo, S. M. S. (1899). “Estudos sobre Damião de Góis”. O Instituto, 46, pp. 426-438; 631-640; 744-750; 815-818; 869-878; 930-934; 1067-1071. ; 1900Viterbo, S. M. S. (1900). “Estudos sobre Damião de Góis”. O Instituto, 47, pp. 50-56; 173-178; 241-245; 376-380; 435-440; 507-510; 569-574; 620-631.; Serrão, 1972, pp. 192-193Serrão, J. V. (1972). A Historiografia portuguesa: doutrina e crítica, Vol. I, séculos XII - XVI. Lisboa: Verbo.; Cardoso, 1997, pp. 125-126Cardoso, A. P. (1997). “D. António Pinheiro - um notável bispo do séc. XVI”. Humanística e Teologia, 18 (1), pp. 125-139. ). Este regresso constituiu um passo decisivo para a consolidação do seu percurso como eclesiástico e como personagem relevante da corte (Machado, 1741, pp. 353-356Machado, D. B. (1741). Bibliotheca Lusitana ... vol. I. Lisboa: Antonio Isidoro da Fonseca.) Gómez Iglesias, 1949, p. 25 ss.Gómez Iglesias, A. (1949). “Una lección de latín del siglo XVI: el MS 6498 de la Biblioteca Nacional”. Revista de Archivos, Bibliotecas y Museos, 55, pp. 5-55.). Mas, como afirmou com acerto J. V. Serrão, “o palaciano vencera para sempre o cronista” (1972, p. 193)Serrão, J. V. (1972). A Historiografia portuguesa: doutrina e crítica, Vol. I, séculos XII - XVI. Lisboa: Verbo., i.e., não chegou a concretizar os projectos historiográficos de que fora incumbido, devendo ainda destacar-se o facto de ele próprio se ter manifestado a favor de ser escolhido para esta nobre tarefa numa carta redigida, possivelmente antes de 1550, ao Conde de Castanheira (Viterbo, 1899, pp. 432-434Viterbo, S. M. S. (1899). “Estudos sobre Damião de Góis”. O Instituto, 46, pp. 426-438; 631-640; 744-750; 815-818; 869-878; 930-934; 1067-1071. ). Nesse ano, D. João III nomeia-o, em carta régia, cronista do reino:

A quantos esta minha carta virem faço saber que avendo eu respeito aas vertudes, letras, bondade, saber e discrição do doctor Antonio Pinheiro, meu preguador e capelão, e confiando delle que em tudo o em que o encarregar me seruira muy inteiramente, e como delle confio, por todos estes respeitos e por folguar de lhe fazer grala e merce, tenho por bem e me praaz de lhe fazer merce do carreguo de meu coronista (Viterbo, 1900, p. 173Viterbo, S. M. S. (1900). “Estudos sobre Damião de Góis”. O Instituto, 47, pp. 50-56; 173-178; 241-245; 376-380; 435-440; 507-510; 569-574; 620-631.; Cardoso, 1997, p. 126Cardoso, A. P. (1997). “D. António Pinheiro - um notável bispo do séc. XVI”. Humanística e Teologia, 18 (1), pp. 125-139. ).

A exigência de rigor das informações coligidas, ou mesmo “por ser mais inclinado a outros estudos, ou per ter o trabalho por grande”, levaram a que o rei preterisse o trabalho de Pinheiro a favor de João de Barros para a realização da crónica de D. Manuel (D. de Góis, apud Viterbo, 1895, p. 495Viterbo, S. M. S. (1895). “Damião de Góis e D. António Pinheiro”. O Instituto, 42, pp. 431-438.). Em 1558, Damião de Góis voltou a abraçar este projecto por ordem do Cardeal D. Henrique, publicando-o oito anos depois (Góis, 1566Góis, D. de (1566). Chronica do Felicissimo Rei Dom Emanuel … 4 vols. Lisboa: Francisco Correa.). Faltava, porém, a Crónica do Piedoso, para a qual Pinheiro se encontrava a compilar informações em 1570 e 1572, segundo duas cartas, uma do rei a solicitar documentos da Torre do Tombo a D. de Góis, e outra da rainha, D. Catarina, a D. António Pinheiro (Viterbo, 1900, pp. 173-175Viterbo, S. M. S. (1900). “Estudos sobre Damião de Góis”. O Instituto, 47, pp. 50-56; 173-178; 241-245; 376-380; 435-440; 507-510; 569-574; 620-631.). Finalmente, em 1573, “era a vez do Cardeal Infante se dirigir ao cronista a exigir que acabasse a Crónica de D. João III” (Serrão, 1972, p. 193Serrão, J. V. (1972). A Historiografia portuguesa: doutrina e crítica, Vol. I, séculos XII - XVI. Lisboa: Verbo.).

Compreende-se, pois, a razão pela qual se afirma que Pinheiro não foi especialmente prolífico como historiador (Viterbo, 1899, p. 429 ss. Viterbo, S. M. S. (1899). “Estudos sobre Damião de Góis”. O Instituto, 46, pp. 426-438; 631-640; 744-750; 815-818; 869-878; 930-934; 1067-1071. ; 1900Viterbo, S. M. S. (1900). “Estudos sobre Damião de Góis”. O Instituto, 47, pp. 50-56; 173-178; 241-245; 376-380; 435-440; 507-510; 569-574; 620-631.; Serrão, 1972, p. 186 ss.Serrão, J. V. (1972). A Historiografia portuguesa: doutrina e crítica, Vol. I, séculos XII - XVI. Lisboa: Verbo.), o que leva a questionar quais terão sido os motivos da redacção das “advertências”, que com isto se juntariam aos mencionados documentos recolhidos pelo autor (Viterbo, 1899, pp. 173-175Viterbo, S. M. S. (1899). “Estudos sobre Damião de Góis”. O Instituto, 46, pp. 426-438; 631-640; 744-750; 815-818; 869-878; 930-934; 1067-1071. ; Serrão, 1972, pp. 192-195Serrão, J. V. (1972). A Historiografia portuguesa: doutrina e crítica, Vol. I, séculos XII - XVI. Lisboa: Verbo.)3Apesar da riqueza documental do estudo de J. V. Serrão (1972, p. 186 ss.), não se comenta a referência que faz Brito a Pinheiro. Poder-se-ia questionar se estes apontamentos faziam, ou não, parte dos materiais coligidos para a Crónica, mas não há qualquer informação a este respeito, explícita ou implícita, quer nos documentos já publicados, quer na bibliografia crítica. De qualquer modo, uma carta de Pinheiro ao Conde da Castanheira reflecte, com a eloquência que o caracteriza, como o autor via o ofício de historiador e o conteúdo ideal de uma crónica: “E lembrame que fazendome V.S. merce de nestas e algumas outras cousas ouuir meu indiscreto parecer, tambem concedia que se não podia de todo desculpar a negligencia dos príncipes passados, que, multiplicando os oficiaes da camara e da fazenda, cargo de sua fama entregaram a hum só e nam com muito exame, fazendo modo de socessam no que deuia ser eleiçam escolhimento, quanto mais que auendo de mandar digerir e ordenar diferentes coronicas, humas dos feytos illustres para o universo mundo, outras para exemplo dos príncipes vindouros” (apud Viterbo, 1899, pp. 422-433). . Embora não saibamos ao certo se estas informações seriam, ou não, incluídas na sua Crónica, as conjecturas etimológicas de Pinheiro referidas por Brito poderiam, igualmente, ser cotejadas com o pensamento de Quintiliano (Pereira, 2000-2001Pereira, M. V. (2000-2001). “Quintiliano e a Gramática antiga”. Classica, 13/14, pp. 367-373.). Este, nas Instituições Oratórias (1.6. 28-31), fornece algumas pistas para o estudo da etimologia. Poderíamos acrescentar, igualmente, as Etimologias de Isidoro de Sevilha, que constituem um testemunho eloquente desta estratégia de representação do passado (Blikstein, 1978, p. 115Blikstein, I. (1978). “As Etimologias de Isidoro de Sevilha”. Língua e Literatura, 7, pp. 111-120.; Villaseñor, 2003, p. 12Villaseñor Cuspinera, P. (2003). “Natura et arbitrium: en torno a la etimología y significación de las palabras en Isidoro de Sevilla”. Acta Poetica, 24 (1), pp. 113-125. DOI: https://doi.org/10.19130/iifl.ap.2003.1.100; Harley, 2014Harley, R. M. (2014). “Etimologías en el De verborum significatione”. Pensamiento actual, 14 (22), pp. 43-53. ). Estes aspectos devem ser, porém, tratados noutro lugar.

O que foi exposto até este momento permite tecer algumas considerações em torno do papel das línguas sagradas (Hebraico, Grego e Latim) entre os eruditos portugueses no séc. XVI, e em particular na formação de indivíduos como A. Pinheiro. A importância da prima língua mundi poderia explicar o interesse por etimologias que parecem ir ao encontro da construção da imagem de uma nação cujas raízes recuavam aos tempos bíblicos (Leão, 1606, p. 8Leão, D. N. de (1606). Origem da Lingoa Portuguesa per Duarte Nunez de Liao … Lisboa: Pedro Crasbeeck. ; cf. Franco, 2000Franco, J. E. (2000). O mito de Portugal: a primeira história de Portugal e a sua função política. Lisboa: Roma.; Brito, 1597Brito, Fr. B. de (1597). Monarchia Lusitana: Parte Primeira ... Alcobaça: Mosteiro de Alcobaça.). No caso que nos ocupa, é possível identificar uma referência implícita às comparações entre línguas que serviriam como ponto de partida para estudar as remotas origens das nações e territórios concretos (Percival, 1986, p. 28Percival, W. K. (1986). “The reception of Hebrew in sixteenth - century Europe: The impact of the Cabbala”. En: Quilis, A. e Niederehe, H.-J. (eds.), The History of Linguistics in Spain. Amsterdam, Philadelphia: John Benjamins, pp. 21-38.; cf. Kessler-Mesguich, 1996Kessler-Mesguich, S. (1996). “L’hébreu chez les hébraïsants chrétiens des XVIe et XVIIe siècles”. Histoire, Épistémologie, Langage, 18 (1), pp. 87-108. DOI : https://doi.org/10.3406/hel.1996.2450 ; Demonet, 2009Demonet, M.-L. (2009). “La langue primitive des débuts de la conscience linguistique europeénne en France”. En: Soares, N. N. C. e López Moreda, S. (coords.), Génese e Evolução da ideia de Europa, Vol. 5, Idade Média e Renascimento. Coimbra: Imprensa da Universidade, pp. 147-170.), destacando-se o influente trabalho de S. Bochart, que chegou a propor uma origem semita para o corónimo Britannia (Albuquerque e Ferrer, 2019, p. 38 ss., com bibliografiaAlbuquerque, P. e Ferrer Albelda, E. (2019). “Las Casitérides: discursos historiográficos y apropiaciones de un topónimo errante (c. 1453 - 1902)”. En: Ferrer Albelda, E. (ed.), La Ruta de las Estrímnides: Navegación y conocimiento del litoral atlántico en la Antigüedad. Alcalá de Henares y Sevilla: UAH, US, pp. 17-66. ).

Terá este conhecimento alguma relação com a proposta apresentada pelo erudito de Porto de Mós? Não nos parece possível, na ausência das Annotationes, dar uma resposta segura a esta pergunta, embora se deva considerar, a título hipotético, que este interesse pelas línguas em si mesmas pode estar vinculado à própria retórica, campo no qual Pinheiro se formou e afirmou. Porém, à falta de dados mais concretos sobre o porquê de esta atribuição da fundação de Mértola a uma iniciativa “luso-cartaginesa”, pode dizer-se que este eclesiástico inaugurou um debate que se mantém até à actualidade, não obstante as diferenças das abordagens mais actuais, e ao qual se juntaram outras interpretações que teremos oportunidade de comentar.

A figura de André de Resende, que estudou, igualmente, em Paris (1527-1529) (Matos, 1950, p. 68Matos, L. de (1950). Les Portugais à l’Université de Paris. Coimbra: Universidade de Coimbra.; cf. Carneiro, 2019, pp. 17-18Carneiro, A. (2019). “Em busca das “antiguidades” no Alentejo. O movimento humanista portugués nos alvores da modernidade (1560-1600)”. En: Beltrán Fortes, J., Fabião, C. e Mora Serrano, B. (eds.), La Arqueología hispano-portuguesa a debate. Lisboa, Málaga, Sevilla: EUS, pp. 15-26.), é incontornável nesta reflexão, uma vez que o uso que fez da epigrafia e da observação de restos construtivos, complementando-o com a interpretação das fontes clássicas, constitui uma novidade no panorama que temos vindo a descrever. Pode dizer-se que este interesse foi decisivo para que Amador Arrais, em 1589Arrais, Fr. A. (1589). Dialogos de Dom Frei Amador Arraiz, bispo de Portalegre. Coimbra: Casa de Antonio de Mariz. , assinalasse a epigrafia de Mértola no terceiro dos seus Diálogos, inspirado noutros textos resendianos. Note-se que esta obra é anterior à impressão de De Anquitatibus Lusitaniae, o que leva a que tenhamos escolhido ano da morte de Resende, 1573, para analisar a próxima fase da nossa leitura historiográfica.

3. DE ANDRÉ DE RESENDE A ESTÁCIO DA VEIGA

 

Mírtilis, a quem chamamos Mértola, situada sobre o rio Guadiana, está cheia de grande número de monumentos da antiguidade como cipos, colunas e estátuas que Godos e Mouros, por serem uns e outros de inteligência perfeitamente bárbara, utilizaram largamente para reparar as muralhas em vez de pedra de alvenaria (Resende, 1593, p. 179; trad. Fernandes e Pinho, 2009Fernandes, R. M. e Pinho, S. T. (2009). André de Resende: Antiguidades da Lusitânia. Coimbra: IUC. ).

A 1 de Outubro de 1533, Resende expôs, numa carta endereçada ao Cardeal D. Afonso, alguns motivos que o levaram a valorizar a epigrafia como fonte histórica (Fernandes e Pinho, 2009, p. 70Fernandes, R. M. e Pinho, S. T. (2009). André de Resende: Antiguidades da Lusitânia. Coimbra: IUC. ) e que fizeram parte da incansável recolha para uma obra magna que só foi dada ao prelo vinte anos depois da sua morte (Resende, 1593). É nesta que o autor disserta sobre as fontes clássicas que mencionam a cidade e que lhe permitem associar, definitivamente, Myrtilis a Mértola (do mesmo modo que A. Ortelius) (Fig. 2), assim como sobre diversos elementos materiais que testemunhariam um passado grandioso, nomeadamente as estátuas e as epígrafes, num tom de lamento revelador da sua sensibilidade, diríamos hoje, arqueológica, formada e consolidada nos círculos eruditos europeus (Fernandes e Pinho, 2009, p. 5 ss.Fernandes, R. M. e Pinho, S. T. (2009). André de Resende: Antiguidades da Lusitânia. Coimbra: IUC. ). É com este pensamento que Resende valorizou e discutiu a informação “étnica” de Ptolomeu sobre a origem turdetana de Beja e Mértola. Discutiu também, de forma eloquente, nas epístolas a Vaseu, a questão de Pax Iulia e Pax Augusta, contrariando uma identificação - aliás bastante difundida - da última cidade com Badajoz e que está presente no Chronicon do destinatário das suas cartas (Pereira, 1988, pp. 220-221Pereira, V. (1988). “Uma carta de André de Resende reconstituída”. Hvmanitas, 39-40, pp. 211-232. ). Assinalou ainda que Beja estaria entre os Celtas, reproduzindo a informação de Estrabão sobre Pax Augusta (Str. 3.2.15)4Str. 3.2.15. Veja-se, a este respeito, o texto da História de Portugal, de Fernão de Oliveira/ Fernando Oliveira (c. 1507-1582), escrito em torno de 1580, fl. 3-4. Encontra-se em preparação a edição da obra completa deste autor. Cf. Franco, 2000. A respeito de Resende, Oliveira comenta o seguinte: “Évora cidade também é bem antiga. De cuja antiguidade <em nossos dias escreveu> mestre André de resende natural dela, e homem havido por mui lido, e amigo de antiguidades, e curioso de ler pedras romanas: <porém> porque tinha o entendimento duro, como as mesmas pedras, não se sabia desapegar delas: e cuidava, que em Roma se comprendiam todas as antiguidades” (fl. 12-12v)..

Sobre a localização de Myrtilis, deve ainda abrir-se um parêntesis para assinalar a personalidade de A. Ortelius, que procurou cartografar algumas paisagens da Antiguidade, nomeadamente da velha Hispania, num contexto em que este tema não fazia parte dos interesses genéricos dos eruditos peninsulares. Assim, poucos anos antes da publicação das Antiguidades da Lusitânia, Ortelius identificou, em Synonymia Geographica (1576) e no mapa de Hispania Veteres Descriptio (1586), várias cidades da Antiguidade da Península Ibérica a partir, principalmente, das fontes clássicas (Albuquerque e Ferrer, 2019, p. 28 ss. Albuquerque, P. e Ferrer Albelda, E. (2019). “Las Casitérides: discursos historiográficos y apropiaciones de un topónimo errante (c. 1453 - 1902)”. En: Ferrer Albelda, E. (ed.), La Ruta de las Estrímnides: Navegación y conocimiento del litoral atlántico en la Antigüedad. Alcalá de Henares y Sevilla: UAH, US, pp. 17-66. ). No léxico de 1576, o cartógrafo de Antuérpia baseou-se unicamente na informação de Francisco Tarafa, que refere o estatuto da civitas de Iulia Myrtilis ao tratar a figura de César (Tarafa, 1553, p. 53Tarafa, F. (1553). Francisci Taraphae De origine, ac rebus gestis Regum Hispaniae liber … Antuérpia: Ioannis Steelsi. ). No entanto, como bem assinalou E. da Veiga (1880, p. 49)Veiga, S. P. E. da (1880). Memória das Antiguidades de Mértola, observadas em 1877 e relatadas. Lisboa, Imprensa Nacional., corrigiu a localização de Mértola proporcionada por Ptolomeu no Theatrum Orbis Terrarum, colocando-a na margem direita do Guadiana e junto à desembocadura da Ribeira de Oeiras (Ortelius, 1584, p. 15-16Ortelius, A. (1584). Theatrum Orbis Terrarum. Antuérpia: Christophorum Plantinum.; o referido mapa de 1586, reproduzido na Fig. 2, não apresenta este último pormenor).

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Figura 2.  A. Ortelius, Hispaniae veteris descriptio (1586). Exemplar depositado na Biblioteca Nacional de Portugal. Disponível online em http://purl.pt/30653/service/media/pdf (cons. 31/08/2020).

O trabalho de Resende em Mértola prima, como se pode constatar, pela inovação e por ser um testemunho eloquente de uma nova forma de construir a imagem do passado nacional, regional e local com base em vestígios materiais, em boa medida inspirado pelo caminho aberto, cerca de um século antes, por Biondo (Rebelo, 1982, p. 87Rebelo, L. S. (1982). A tradição clássica na literatura portuguesa. Lisboa: Horizonte.; Albuquerque e Ferrer, 2019, pp. 20-22Albuquerque, P. e Ferrer Albelda, E. (2019). “Las Casitérides: discursos historiográficos y apropiaciones de un topónimo errante (c. 1453 - 1902)”. En: Ferrer Albelda, E. (ed.), La Ruta de las Estrímnides: Navegación y conocimiento del litoral atlántico en la Antigüedad. Alcalá de Henares y Sevilla: UAH, US, pp. 17-66. ). É essa sensibilidade que o leva a lamentar o facto de os habitantes de Mértola permitirem “que levassem dali oito ou dez estátuas, escavadas da terra, artisticamente esculpidas, mas sem cabeça. Admite-se que as cabeças fossem de bronze e inseridas nos corpos e que tivessem mesmo sido arrancadas para outro uso” (Resende, 1593, p. 179, trad. Fernandes e Pinho, 2009Fernandes, R. M. e Pinho, S. T. (2009). André de Resende: Antiguidades da Lusitânia. Coimbra: IUC. ; cf. Cardoso, 2006, p. 319Cardoso, J. L. (2006). “Estácio da Veiga e a Arqueologia: um percurso científico no Portugal oitocentista”. Estudos Arqueológicos de Oeiras, 14, pp. 293-520. ). O pensamento do humanista português, nomeadamente no que diz respeito à localização de Pax Iulia, à epigrafia como fonte histórica e ao seu conhecimento das fontes revelado nas Antiguidades de Évora, foi justamente assinalado na obra de Amador Arrais: “Andre de Resende varão de muita erudição, liurou das treuas da ignorancia, com sua graue historia, sua nobre pátria, não indigna de tal aluno” (Arrais, 1589, fl. 86vArrais, Fr. A. (1589). Dialogos de Dom Frei Amador Arraiz, bispo de Portalegre. Coimbra: Casa de Antonio de Mariz. ).

Arrais era, igualmente, eclesiástico, tendo-se iniciado nessa carreira aos 15 anos (1545) como carmelita calçado (Almeida, 1974, pp. XI-XIIAlmeida, M. L. (1974). Diálogos de D. Frei Amador Arrais. Porto: Lello & Irmão. ). Estudou Teologia no Colégio do Carmo em Coimbra e desenvolveu, até 1586, uma importante carreira eclesiástica, sem descurar a construção de um profundo conhecimento das letras clássicas (entre outros, Machado, 1741, pp. 122-124Machado, D. B. (1741). Bibliotheca Lusitana ... vol. I. Lisboa: Antonio Isidoro da Fonseca.; Silva, 1858, pp. 52-53Silva, I. F. (1858). Diccionario bibliographico portuguez, Vol. I. Lisboa: Imprensa Nacional. ).

Os Diálogos de Frei Amador Arrais tiveram duas edições, uma em 1589 e outra, revista e aumentada, em 1604. Esta contém alguns acrescentos, não só na quantidade dos diálogos (7 na primeira, 10 na segunda), mas no conteúdo de algumas passagens, entre elas a que ilustra o pensamento do autor em relação a Myrtilis5O capítulo 7 desse diálogo foi dedicado aos municípios de direito latino conhecidos em solo português, a saber, Évora, Mértola e Alcácer do Sal. O facto de Resende ter analisado as antiguidades da primeira cidade inibiu Arrais de se deter muito nela: “remitouos a sua historia, trilhada per mãos de toda Hespanha” (1589, fl. 86v). . Este aspecto reveste-se de bastante interesse, uma vez que, na primeira versão, Arrais refere estátuas e uma epígrafe que continha o nome Myrtilus, com um interesse, diríamos, resendiano (antes, obviamente, de 1593, ano de publicação das Antiguidades; sobre este nome, cf. Isidoro de Sevilla, Etimologias 13.16.8), assim como a proposta de que o nome teria origem grega. A segunda versão contém já uma actualização da informação, citando explicitamente Resende (1593) e, implicitamente, Pinheiro ou, mais provavelmente, Brito (Arrais, 1604, fl. 113-113vArrais, Fr. A. (1604). Dialogos de Dom Frei Amador Arraiz Revistos, e acrescentados pelo mesmo autor nesta segunda impressão. Coimbra: Officina de Diogo Gomez Loureyro.; compare-se com id., 1589, fl. 56v-57Arrais, Fr. A. (1589). Dialogos de Dom Frei Amador Arraiz, bispo de Portalegre. Coimbra: Casa de Antonio de Mariz. ):

Mertola se chamava Iulia Myrtilis, & he conhecida pola pescaria dos solhos, que sam os suillos, como proua Resende contra o parecer de Rondelecio. Duram inda em Mertola columnas6Nota à margem: “Lib. 2 Antiq. Lusit. Pag. 55”; estatuas, & mármores com letreiros Romanos, dos quaes os bárbaros assi Godos, como Mouros, no reparo dos muros, arcos, torres, & pontes vsauam, pondoas por alicerces, & fundamentos, conforme seus bárbaros engenhos. Em meu tempo nos fundamentos da misericordia desta Villa se acharão sinco, ou seis estatuas de mármores, que eu vi; & vendoas me alembrou o verso de Virgilio, em que pronosticou que aueria entre Romanos imaginarios, & estatuarios tam excelentes em sua arte, que nas pedras cortarião imagens tanto ao natural, como se foram cousas viuas.

STABUNT & PARIJ LAPIDES SPIRANTIA SIGNA7VERG., G. 3.34.

Huma dellas era de molher, e tam bem laurada, & galharda, que representaua â maravilha a nobreza, & gentileza da pessoa, a que foi dedicada. A qual me fez um gustoso spectaculo dos trajos, que usavão as Romanas nobres. Tinha sua roupa te os pês com muitas prégas muito bem compostas, cingida por debaixo dos peitos (que algum tanto se enxergavão) com um cordão torcido da grossura de hum dedo, e tinha no meo do peito dous nôs cegos, com dous cabos iguaes, que decião para baixo. Tinha seu roupão muito fraldado tè os pès, posto nos hombros, & com a mão direita tinha recolhida grande parte delle, e o lançada sobre a esquerda do cotovello tè a mão com gentil arte. Este nome Myrtilis parece grego, como nos ficarão outros muitos, por ventura do tempo de Olysses. Nam falta quem diga ser phaeniceo, & que Myrtiris é o mesmo que Tyro a nova, fundada pelos Tyros, & Phaeniceos, que apportarão na Lusitania. Myrtilo se chamou hum filho de Mercurio, e eu vi em Mertola, em uma sepultura Romana, o nome de Myrtilus.

Já em finais do séc. XVI, Bernardo de Brito (1597)Brito, Fr. B. de (1597). Monarchia Lusitana: Parte Primeira ... Alcobaça: Mosteiro de Alcobaça. dedicou o Capítulo 14 do segundo livro da Monarchia Lusitana à fundação de Mértola, fazendo eco não só da etimologia proposta por António Pinheiro, como também de outros autores cujas obras se encontram, na actualidade, desaparecidas. Entre essas obras está o enigmático manuscrito de Antiquitatibus Lusitaniae, do pacense Laimundo de Ortega, supostamente escrito em 878 e depositado na biblioteca do Mosteiro de Alcobaça (Machado, 1742, p. 1Machado, D. B. (1742). Bibliotheca Lusitana ... vol. II. Lisboa: Antonio Isidoro da Fonseca.), assinalado por Brito como uma das suas principais fontes (Rego, Andrade e Alves, 2004, p. XIXRego, A. S., Andrade, A. A. B. e Alves, M. S. (2004). Frei Bernardo de Brito: Monarquia Lusitana (ed. facsímil), Vol. I. Lisboa: INCM. ). Segundo se depreende da leitura da Monarchia, Laimundo valorizou a presença cartaginesa na Península Ibérica e elaborou uma lista de reis muito semelhante à de Beroso (Brito, 1597, p. 6Brito, Fr. B. de (1597). Monarchia Lusitana: Parte Primeira ... Alcobaça: Mosteiro de Alcobaça.; Fernandes, 2007, p. 122Fernandes, J. S. M. (2007). “Estrutura e função do mito de Hércules na Monarquia Lusitana de Bernardo de Brito”. Ágora: Estudos clássicos em debate, 9, pp. 119-150.). Em 1596, Nicolás Antonio questionou a verdadeira existência deste manuscrito, defendendo que se tratava de uma invenção (Álvarez, 2017, p. 189Álvarez Martí-Aguilar, M. (2017). “Terremotos y tsunamis en Portugal en época antigua: el legado de Bernardo de Brito y su Monarchia Lusytana (1597-1609)”. Evphrosyne, 45, pp. 183-204. ), mas Barbosa Machado procurou argumentar no sentido contrário, afirmando que outros tiveram contacto de visu com este documento. A este junta-se Pedro Aládio, autor que terá escrito, em c. 1234, um manuscrito intitulado De Sacrificiis antiquis Lusitanorum que foi citado unicamente por Brito (cf. Machado, 1742, pp. 1-2 e 550Machado, D. B. (1742). Bibliotheca Lusitana ... vol. II. Lisboa: Antonio Isidoro da Fonseca.).

Chama a atenção o facto de Brito se basear nesta fonte, muito possivelmente inventada, para dar um interessante protagonismo aos Cartagineses, não só na descoberta das costas peninsulares nos périplos de Hanão e Himilcão (1597, fl. 115-117v)Brito, Fr. B. de (1597). Monarchia Lusitana: Parte Primeira ... Alcobaça: Mosteiro de Alcobaça., mas também nos vários episódios em que esta comunidade e os portugueses se uniram sob os auspícios de Hércules (ibid., f. 136v; Fernandes, 2007, p. 142Fernandes, J. S. M. (2007). “Estrutura e função do mito de Hércules na Monarquia Lusitana de Bernardo de Brito”. Ágora: Estudos clássicos em debate, 9, pp. 119-150.) p. ex. na fundação de cidades. No que diz respeito a este aspecto, além de Braga, o autor assinalou que os Cartagineses fundaram uma cidade junto de Alvor, denominada Portus Hannibalis (Mela 3.7; Brito, 1597, fl. 120Brito, Fr. B. de (1597). Monarchia Lusitana: Parte Primeira ... Alcobaça: Mosteiro de Alcobaça.; cf. Resende, 1593, pp. 88 e 185) e Lagos (Brito, 1597, fl. 136v-137Brito, Fr. B. de (1597). Monarchia Lusitana: Parte Primeira ... Alcobaça: Mosteiro de Alcobaça.). Baseando-se, novamente, em Laimundo, defendeu que, em 318 a. C., os Tírios, em parceria com os Portugueses, fundaram Mértola na sequência da fuga de população tíria para Cartago e daí para Utica e Península Ibérica. O autor resume deste modo a participação “luso-tíria” em Myrtilis:

Aceitada esta condição [de igualdade no governo da nova fundação] se puserão mãos na obra, com tanta diligencia dos Tyrios, & gosto dos Portugueses, que em poucos meses tinhão cercado hum bom pedaço de campo, não muy apartado do mar, & levantado nelle muros, & balluartes, suficientes a defender os moradores de qualquer perigo (Brito, 1597, fl. 145vBrito, Fr. B. de (1597). Monarchia Lusitana: Parte Primeira ... Alcobaça: Mosteiro de Alcobaça.).

Brito acrescenta ainda os textos greco-latinos (Ptolomeu, Plínio, Itinerário de Antonino e Mela) e o de Resende, referindo-se às mencionadas estátuas e a umas “reliquias infalliueis, do primor, & curiosidade da gente Tyria” (ibid., fl. 146), das quais não há conhecimento exacto. Em suma, até ao final do séc. XVI, consolidaram-se ideias que se mantiveram praticamente imutáveis até 1877, momento em que Estácio da Veiga inclui dados arqueológicos nas suas reflexões sobre o povoamento antigo de Mértola e arredores, como veremos nas próximas linhas.

A partir do séc. XVII, apesar da multiplicação de estudos de história local desenvolvidos, sobretudo, nos círculos eclesiásticos (Álvarez, 2005, p. 32-33Álvarez Martí-Aguilar, M. (2005). Tarteso: la construcción de un mito en la historiografía española. Málaga: CEDMA.) ou de descrições do território nacional (Leão, 1610, p. 18Leão, D. N. de (1610). Descrição do Reino de Portugal. Lisboa: Jorge Rodriguez, 1610.), não se registam muitas novidades de dados, métodos ou perspectivas até, sensivelmente, finais do séc. XVIII. Pode mesmo dizer-se que as fontes reproduzem o que foi exposto até este ponto, o que explica a escassa bibliografia existente sobre a vila e o seu termo quando a Real Academia da História, fundada em 1720, dá início no ano seguinte a um projecto megalómano que ficou conhecido como Memórias Paroquiais e que representa o interesse nutrido pelos eruditos de Setecentos pelas antiguidades (cf. Alvará régio de D. João V a 20/08/1721; Salas, 2019Salas Álvarez, J. A. (2019). “El interés de la Ilustración española por las antigüedades portuguesas. El caso de Évora”. En: Beltrán Fortes, J., Fabião, C. e Mora Serrano, B. (eds.), La historia de la Arqueología hispano-portuguesa a debate. Lisboa, Málaga, Sevilla: EUS, pp. 27-56.).

O Inquérito das Memórias Paroquiais só foi consumado em 1758, depois de o terremoto de 1755 ter destruído parte da documentação entretanto produzida (Azevedo, 1895, p. 267Azevedo, P.A. (1895). “O Diccionario Geographico do P.e Luis Cardoso”. O Archeologo Portuguez 1, pp. 267-269.; Boiça e Barros, 1995, p. 14Boiça, J. F. e Barros, M. F. (1995). As terras, as serras, os rios: As memórias paroquiais de 1758 do Concelho de Mértola. Mértola: CAM. ). A realização desta obra implicava a resposta a um questionário dividido em três partes (a Terra, as Serras e os Rios) e, como tal, os seus resultados, embora desiguais (na verdade, dependiam da erudição e curiosidade do pároco), fornecem uma riquíssima informação sobre os monumentos (alguns deles destruídos ou desaparecidos), as tradições orais, os documentos escritos, os recursos ou as actividades económicas. Para o caso que nos ocupa, interessa destacar a resposta à pergunta 22 da primeira parte do Inquérito (“se tem alguns privilégios, antiguidades, ou outras couzas dignas de memoria?”) (Fig. 3):

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Figura 3.  Página da resposta do pároco de Mértola ao Inquérito das Memórias Paroquiais correspondente à transcrição apresentada. Disponível online em https://digitarq.arquivos.pt/ viewer?id=4240766 (cons. 10/09/2020).

[Mértola] Hé fundada pellos de Tiro há dous mil e setenta e seis anos na Era vulgar, quando Alexandre Magno os violentou a se confederarem na Luzitania, e lhe pozeram o nome de Mirtire, aliás Tiro Nova. E Julio Cezar a fez Municipio de Direito Lacio amplificando-a com privilégios dos romanos, grande e affectuozamente, de forma que já lhe chamavam Julia Mirtiles, hoje corrupto o vocábulo Mertola; más seis estatuas de pedra mármore, que he noticia abrindosse alicerses para a Caza da Mizericordia desta villa, mas já a nam há do seo fim; colunas; tumulos; frizos e alicerses, que ainda se acham, e de que há muitos sinaes, bem mostram sua opulencia e antiguidade mayor (Boiça e Barros, 1995, p. 68Boiça, J. F. e Barros, M. F. (1995). As terras, as serras, os rios: As memórias paroquiais de 1758 do Concelho de Mértola. Mértola: CAM. ; transcrição revista pelos autores).

Como se disse, esta imagem de Mértola como porto de grande antiguidade e opulento em tempos pretéritos fez parte dos escritos sobre a vila até ao último quartel do séc. XIX, destacando-se ainda o êxito da proposta de Pinheiro sobre o topónimo (Carvalho da Costa e Pinho Leal, apud Alves 1956, p. 51Alves, L. F. D. (1956). “Aspectos da Arqueologia em Myrtilis”. Arquivo de Beja, 13, pp. 21-104.). Outros autores ilustres setecentistas, interessados pelas antiguidades em geral, como E. Flórez (1758aFlórez, E. (1758a). España Sagrada … Vol. XIV. Madrid: Antonio Marin.; Salas, 2019, p. 31 ss. Salas Álvarez, J. A. (2019). “El interés de la Ilustración española por las antigüedades portuguesas. El caso de Évora”. En: Beltrán Fortes, J., Fabião, C. e Mora Serrano, B. (eds.), La historia de la Arqueología hispano-portuguesa a debate. Lisboa, Málaga, Sevilla: EUS, pp. 27-56.) ou J. Cornide (Abascal e Cebrián, 2009, p. 590 ss. Abascal, J. M. e Cebrián, R. (2009). Los viajes de José Cornide por España y Portugal de 1754 a 1801. Madrid: RAH.), não voltam a incidir sobre estas questões. O primeiro, ao tratar Mértola no Vol. XIV da monumental España Sagrada, limita-se a comentar os textos clássicos e algumas passagens de Resende, outros autores que tratam períodos mais tardios, como Idácio de Chaves e António Brandão assim como a questão do topónimo (Flórez, 1758a, pp. 247-249Flórez, E. (1758a). España Sagrada … Vol. XIV. Madrid: Antonio Marin.), que interpreta como grego, tal como Arrais e, mais tarde, Hübner (1871, p. 34Hübner, E. (1871). Noticias archeologicas de Portugal. Lisboa: Academia Real das Sciencias.):

El nombre de Myrtilis se hizo muy afamado, por la mencion que hicieron de este pueblo los antiguos, Mela, Plinio, Ptolomeo, Antonino, el Ravenate, y nuestro historioador Idacio. Escribese ya Myrtilis, ya Mirtylis. El primer modo es el comum, que acaso fue puesto por Griegos del mar Myrtoo, en memoria de Myrtilo, hijo de Mercurio, que dió nombre al mencionado mar, por haver sido allí arrojado: y aunque no hay más argumento que la alusion del nombre, aumenta la congetura la misma singularidad de la voz, que no conviene con la formacion de otras de Ciudades antiguas de estos Reynos (Flórez, 1758a, p. 236Flórez, E. (1758a). España Sagrada … Vol. XIV. Madrid: Antonio Marin.).

O desenvolvimento dos estudos numismáticos é outra das facetas da historiografia ilustrada em geral, e do trabalho de Flórez em particular (Flórez, 1757Flórez, E. (1757). Medallas de las colonias, municipios y pueblos antiguos de España, Vol. I. Madrid: Antonio Marin.; 1758bFlórez, E. (1758b). Medallas de las colonias, municipios y pueblos antiguos de España, Vol. II. Madrid: Antonio Marin.), não só pelo interesse coleccionista, mas também pelo seu valor documental como meio para identificar cidades e povos no exercício da topografia histórica, definir cronologias e tentar decifrar os alfabetos pré-romanos presentes em algumas moedas (Mora, 2019Mora Serrano, B. (2019). “Moneda y anticuariado hispano - português: notas sobre una particular relación”. En: Beltrán Fortes, J., Fabião, C. e Mora Serrano, B. (eds.), La historia de la Arqueología Hispano-portuguesa a debate. Sevilla, Lisboa y Málaga: EUS, pp. 57-77.; cf. Guerra, 2018Guerra, A. (2018). “Olhares setecentistas sobre a escrita do Sudoeste: Frei Manuel do Cenáculo e o seu entorno”. Anuari de Filologia Antiqua et Mediaeualia, 8, pp. 764-781). Mértola manteve-se, relativamente, à margem dos estudos desenvolvidos pelos eruditos espanhóis, o que se deveu, sobretudo, a erros de leitura das legendas, como veremos agora.

A imagem da Fig. 4 revela a identificação de lugares que, para Flórez, cunharam moeda na Hispania e, curiosamente, só dois deles (Pax Iulia e Ebora) são portugueses. A ausência de Myrtilis deve-se, simplesmente, ao facto de Flórez ter lido a legenda do numisma que analisou como MVN(icipium), associando-a a Gades (1758b, p. 430)Flórez, E. (1758b). Medallas de las colonias, municipios y pueblos antiguos de España, Vol. II. Madrid: Antonio Marin.. Cerca de duas décadas depois, C. María Trigueros (1773, L.5, nº 6)Trigueros, C. M. (1773). “Memoria de varias inscripciones, sellos y monedas inéditas pertenecientes a la Bética …”. Memorias literarias de la Real Academía Sevillana de Buenas Letras, 1, pp. 314-321. propôs a leitura MART(ia) (Marchena); em 1782, Combe leu, igualmente, MVN no exemplar que analisou, propondo que tinha sido cunhada em Munda; por último, provavelmente em 1794, O’Crouley partiu da mesma leitura para defender que se tratava de MVN(igua) (Delgado, 1873, p. 199Delgado, A. (1873). Nuevo método de clasificacion de las medallas autónomas de España, Vol. I. Sevilla: Antonio Izquierdo y García.). Estas interpretações foram justamente criticadas por G. López Bustamante numa obra dedicada às moedas associadas à famosa batalha de Munda (45 a. C.), na qual o autor procedeu à revisão das interpretações anteriores. Nesta, concluiu que MVR se adequava mais às respectivas legendas e que, consequentemente, a oficina de cunhagem deveria localizar-se em Myrtilis (López Bustamante, 1799, pp. 9-19López Bustamante, G. (1799). Examen de las medallas antiguas atribuidas a la ciudad de Munda en la Betica. Madrid: Imp. de Julián Pereyra. ). Na mesma linha opinou, alguns anos mais tarde, D. Sestini (1818, pp. 2-4Sestini, D. (1818). Descrizione delle medaglie ispane appartenenti alla Lvsitania, alla Betica, e alla Tarragonese che si conservano nel Museo hedervariano. Firenze: Guglielmo Piatti.; Delgado, 1873, pp. 199-200)Delgado, A. (1873). Nuevo método de clasificacion de las medallas autónomas de España, Vol. I. Sevilla: Antonio Izquierdo y García..

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Figura 4.  Mapa de los Pueblos que batieron las Medallas de España (segundo Flórez, 1757Flórez, E. (1757). Medallas de las colonias, municipios y pueblos antiguos de España, Vol. I. Madrid: Antonio Marin.). Disponível online em http://fcd2.inf.um.es:8080/ xmlui/handle/9/3221 (cons. 16/09/2020).

Vemos, com isto, que só nos finais do séc. XVIII se admitiu que estes numismas podiam ter sido cunhados no território da Lusitânia, contradizendo, em parte, uma imagem que se consolidara anteriormente, i.e., que a produção monetária daquela província romana era muito mais escassa do que as da Bética e Tarraconense (Fig. 4). Isto pode ter levado a que as atenções se voltassem, invariavelmente, para estas duas áreas na interpretação das legendas de moedas que estavam dispersas (e naturalmente descontextualizadas) por várias colecções por parte dos autores espanhóis, muito mais activos neste campo que os eruditos lusos (Mora, 2019, pp. 64-67Mora Serrano, B. (2019). “Moneda y anticuariado hispano - português: notas sobre una particular relación”. En: Beltrán Fortes, J., Fabião, C. e Mora Serrano, B. (eds.), La historia de la Arqueología Hispano-portuguesa a debate. Sevilla, Lisboa y Málaga: EUS, pp. 57-77.).

Mas o debate sobre os numismas não se circunscreveu à identificação da cidade responsável pela sua cunhagem. As iniciais das moedas mertolenses (L.AP.DE) foram interpretadas, com ligeiras diferenças, como referências a um magistrado, Lucius Apius Decius ou Decimus, o que tinha implicações directas na sua cronologia, já que se enquadrariam nos últimos anos da República (Delgado, 1873, p. 199 ss. Delgado, A. (1873). Nuevo método de clasificacion de las medallas autónomas de España, Vol. I. Sevilla: Antonio Izquierdo y García.; Veiga, 1880, p. 50 ss. Veiga, S. P. E. da (1880). Memória das Antiguidades de Mértola, observadas em 1877 e relatadas. Lisboa, Imprensa Nacional.; discussão em Albuquerque e García, 2017, p. 11 ss. Albuquerque, P. e García Fernández, F. J. (2017). “Mértola entre el Bronce Final y el inicio de la presencia romana: problemas y perspectivas de investigación”. Habis, 48, pp. 7-30.), do mesmo modo que a iconografia. O estudo dos símbolos das moedas constituiu, igualmente, uma interessante via de investigação, uma vez que os elementos conhecidos (espiga, animal marítimo, crescente e A invertido) serviram para identificar um código iconográfico de suposta origem turdetana (Delgado, 1873, pp. 202-203Delgado, A. (1873). Nuevo método de clasificacion de las medallas autónomas de España, Vol. I. Sevilla: Antonio Izquierdo y García.; Veiga, 1880, p. 51Veiga, S. P. E. da (1880). Memória das Antiguidades de Mértola, observadas em 1877 e relatadas. Lisboa, Imprensa Nacional.) (Fig. 5).

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Figura 5.  Moedas de Myrtilis. Elaboração própria a partir de Delgado (1873)Delgado, A. (1873). Nuevo método de clasificacion de las medallas autónomas de España, Vol. I. Sevilla: Antonio Izquierdo y García., Sestini (1818)Sestini, D. (1818). Descrizione delle medaglie ispane appartenenti alla Lvsitania, alla Betica, e alla Tarragonese che si conservano nel Museo hedervariano. Firenze: Guglielmo Piatti., Trigueros (1753) e Vasconcelos (1910) (desenhos originais sem escala).

Este é, grosso modo, o panorama da investigação herdado por Estácio da Veiga quando dá começo, em Março de 1877, aos trabalhos de levantamento arqueológico solicitados pelo governo regenerador de Fontes Pereira de Melo, na sequência das terríveis e inolvidáveis cheias de 6 e 7 de Dezembro de 1876. Aos parcos dados fornecidos pelas fontes clássicas juntavam-se as conjecturas sobre a origem do topónimo, o conhecimento de alguns vestígios materiais (epigrafia e, como vimos, as moedas de Myrtilis) e, obviamente, o espírito inquieto e indagador deste brilhante investigador, que de tudo fez para lançar algumas luzes sobre aspectos que, como acabámos de ver, eram pouco valorizados na sua época. Além do interesse da Memória das Antiguidades de Mértola (Veiga, 1880Veiga, S. P. E. da (1880). Memória das Antiguidades de Mértola, observadas em 1877 e relatadas. Lisboa, Imprensa Nacional.) para o percurso das investigações sobre esta vila alentejana, importa reter que se trata de um trabalho pioneiro em Portugal, uma vez que foi a primeira vez que o governo contratara, embora durante um período de tempo extremamente reduzido (10 dias), os serviços de um investigador para levar a cabo uma avaliação do impacte de uma catástrofe natural sobre o Património arqueológico (entre outros, Cardoso, 2006Cardoso, J. L. (2006). “Estácio da Veiga e a Arqueologia: um percurso científico no Portugal oitocentista”. Estudos Arqueológicos de Oeiras, 14, pp. 293-520. ; Fabião, 2019Fabião, C. (2019). “Estácio da Veiga e a Carta Archeologica do Algarve (1876 - 1891): o nascimento da moderna arqueologia portuguesa”. En: Beltrán Fortes, J., Fabião C. e Mora Serrano, B. (eds.), La Historia de la Arqueología Hispano-portuguesa a debate. Sevilla, Lisboa y Málaga: EUS, pp. 79-103. ).

Estácio da Veiga procedeu a este levantamento com um rigor, diríamos, cirúrgico, partindo de um cuidado estudo e sistematização das investigações anteriores (ao ponto de ser, ainda, uma fonte fundamental para a historiografia de Mértola), assim como de um inquérito possivelmente distribuído junto da população local (Cardoso, 2006, pp. 307-309Cardoso, J. L. (2006). “Estácio da Veiga e a Arqueologia: um percurso científico no Portugal oitocentista”. Estudos Arqueológicos de Oeiras, 14, pp. 293-520. ). Como se sabe, o eminente filho de Tavira não escavou qualquer contexto atribuível à Idade do Ferro, mas teve oportunidade de recolher ou, melhor dito, adquirir materiais que acabaram por ser depositados no Museu Etnológico (Vasconcelos, 1902Vasconcelos, J. L. (1902). “O Museu de Estacio da Veiga”. O Archeologo Portuguez, 7, p. 157. ; Barros, 2014Barros, P. (2014). “Mértola, plataforma comercial durante a Idade do Ferro: a colecção de Estácio da Veiga”. En: Arruda, A. M. (ed.), Fenícios e Púnicos, por terra e mar, vol. 2. Lisboa: Uniarq, pp. 688-697.).

Seria despropositado insistir no significado do enorme contributo de Estácio da Veiga para o conhecimento da arqueologia de Mértola, uma vez que outros autores antes de nós se ocuparam deste tema com maior êxito (Cardoso, 2006Cardoso, J. L. (2006). “Estácio da Veiga e a Arqueologia: um percurso científico no Portugal oitocentista”. Estudos Arqueológicos de Oeiras, 14, pp. 293-520. ; Gómez e Lopes, 2006Gómez-Martínez, S. e Lopes, V. (2006). “Trabalhos arqueológicos de Estácio da Veiga em Mértola”. Xelb, 7, pp. 269-282. ; Fabião, 2019Fabião, C. (2019). “Estácio da Veiga e a Carta Archeologica do Algarve (1876 - 1891): o nascimento da moderna arqueologia portuguesa”. En: Beltrán Fortes, J., Fabião C. e Mora Serrano, B. (eds.), La Historia de la Arqueología Hispano-portuguesa a debate. Sevilla, Lisboa y Málaga: EUS, pp. 79-103. ). No que diz respeito à época na qual centrámos as nossas atenções, não se pode dizer que o avanço tenha sido significativo, uma vez que os dados dos quais o autor dispôs careciam de contexto primário e apenas permitiram adivinhar a antiguidade de uma fundação pré-romana cuja opulência comercial se deixava entrever no facto de a própria Myrtilis ter cunhado moeda com símbolos que remetiam para ambientes supra-regionais (i.e., turdetanos ou fenício-púnicos). Neste sentido, apesar de todos os esforços do sábio balsense, parece, hoje, evidente que os resultados destes trabalhos, inclusive para o próprio, estavam longe de ser satisfatórios face ao potencial arqueológico que as gerações seguintes de arqueólogos conseguiram caracterizar.

4. REFLEXÕES FINAIS

 

O trabalho de Estácio da Veiga, que encerra o percurso historiográfico esboçado no presente trabalho, resume eficazmente o estado dos conhecimentos em finais do séc. XIX sobre Mértola, bem como as várias interrogações que subsistiram até à actualidade. Hoje, sobretudo no que à Idade do Ferro concerne, são mais as perguntas do que as respostas, apesar de todos os esforços feitos nas últimas décadas.

Como se adiantou na introdução, esta discussão centra-se, por um lado, nas várias propostas de interpretação do topónimo Myrtilis e, por outro, na fortuna dos estudos sobre o I milénio a. C. no oppidum e no território desta antiga cidade portuária depois de 1880. Uma análise detalhada do pensamento subjacente às tentativas de reconstituição da etimologia dos nomes de lugar excederia largamente os propósitos deste trabalho e conduziria a uma investigação mais ampla do que aquela que pode ser apresentada nesta ocasião. Consequentemente, contentámo-nos com uma série de apontamentos sobre esta forma de conceber o exercício da reflexão histórica.

Considera-se, porém, oportuno assinalar alguns aspectos que podem lançar alguma luz sobre esta questão, uma vez que não é de todo correcto criticar as etimologias propostas por autores medievais e modernos com os conhecimentos e métodos científicos da Linguística actual (Blikstein, 1978Blikstein, I. (1978). “As Etimologias de Isidoro de Sevilha”. Língua e Literatura, 7, pp. 111-120.), o que obriga a entendê-las como especulações próprias dos eruditos até ao séc. XVIII, em que uma semelhança fonética ou, simplesmente, de grafia, é usada como instrumento de análise histórica a partir da comparação. Isto não exclui, contudo, a invenção de personagens que explicaria, por exemplo, um corónimo como Ibéria (a partir de Ibero) ou uma série toponímica como a de -briga (a partir de Brigo) (Fig. 4). Este tipo de abordagem é comum nas Etimologias isidorianas, em especial no livro 9, onde o autor explica etnónimos a partir de uma característica física (Galos, do Grego gala, “leite”, pela cor branca da pele) ou comportamental (francos, do Latim feritate morum, “feracidade de costumes”; Bretões, do Latim Brutus, “bestial”, selvagem”) (Isidoro de Sevilla, Etimologías 9.2.104, 101-102).

No que diz respeito ao tema que nos ocupa, é possível afirmar que, quando Estácio da Veiga desenvolveu trabalhos arqueológicos, o topónimo em apreço tinha sido identificado com os Cartagineses (Pinheiro), Gregos (Arrais, E. Flórez e E. Hübner) e Romanos (Nunes de Leão [? ], A. Delgado). O último investigador citado propôs, ainda, que poderia tratar-se, simplesmente, da latinização de um nome indígena:

El nombre antiguo de Myrtilis parece ser de origen latino, dimanado de Myrtus (el arrayan): puede también creerse de procedencia helénica y tomado de Myrtilo, hijo de Mercurio, que dió nombre al mar Myrteo8Vid. os textos de Isidoro (Etimologias 13.16.8), Arrais (1589, fl. 56v-57) e Flórez (1758a, p. 236). ; pero es mas probable que esta palabra latinizada, sea equivalente á la turdetana, cuya pronunciacion se hacia muy dificil á los conquistadores (Delgado, 1873, p. 201Delgado, A. (1873). Nuevo método de clasificacion de las medallas autónomas de España, Vol. I. Sevilla: Antonio Izquierdo y García.).

Não é necessário insistir nos problemas que acarreta o uso da toponímia pré-romana na leitura do registo arqueológico e vice-versa, principalmente no que diz respeito ao possível desfasamento cronológico entre a fundação de uma ocupação e a transmissão do nome de lugar (Albuquerque, 2018Albuquerque, P. (2018). “A toponímia proto-histórica como ferramenta do arqueólogo? Comentários sobre uma relação problemática”. Gerión, 36 (1), pp. 141-161. DOI: https://doi.org/10.5209/GERI.60297 ). Assim, apesar de se admitir que este está menos sujeito a alterações significativas ao longo dos anos, podendo sofrer adaptações à língua dos novos ocupantes segundo as circunstâncias históricas, não deve ser considerado como fonte fidedigna para o estudo da ocupação de Mértola. Embora se possa aceitar o argumento agora exposto, assim como a origem pré-romana do topónimo, não é possível demonstrar se foi esse, ou não, o nome dado pelos primeiros ocupantes, uma vez que tanto as fontes clássicas onde surge o nome de Myrtilis (Plínio, Mela e Ptolomeu) como os numismas aí identificados são, manifestamente, tardios.

O conhecimento do I milénio a. C. em Mértola começou a ser menos especulativo, não obstante as enormes lacunas que apontaremos a seguir, com os trabalhos de Estácio da Veiga. O mérito deste investigador consistiu em dar a conhecer, com fina erudição, as várias “antiguidades” da vila alentejana e do seu termo. Um pouco mais tarde, logo no início do séc. XX, esta área atraiu a atenção de Leite de Vasconcelos, que ordenou uma pequena intervenção em Além-rio, na margem oposta do Guadiana (Cardoso, 2006Cardoso, J. L. (2006). “Estácio da Veiga e a Arqueologia: um percurso científico no Portugal oitocentista”. Estudos Arqueológicos de Oeiras, 14, pp. 293-520. ). Nesta, recolheram-se ânforas republicanas que foram, mais tarde, estudadas por C. Fabião (1987)Fabião, C. (1987). “Ânforas romanas republicanas de um depósito de Mértola no Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia”. O Arqueólogo Português, série IV, 5, pp. 125-148..

O incremento da investigação, protagonizado pelo CAM desde 1978, conduziu à identificação de materiais sidéricos, embora em posição secundária. A primeira síntese deste período (Rego, Guerreiro e Gómez, 1996Rego, M., Guerreiro, O. e Gómez, F. (1996). “Mértola: una ciudad mediterránea en el contexto de la edad del hierro del Bajo Guadiana”. En: Actas de las I Jornadas transfronterizas sobre la contienda hispano-portuguesa, tomo I. Aroche: Escuela Taller Contienda, pp. 119-132.) revela, nesse sentido, as enormes lacunas do conhecimento das primeiras fases de vida de Myrtilis e antecedeu a publicação de vários trabalhos que sistematizaram materiais recolhidos em vários pontos da vila, assim como outros que analisaram a construção de uma potente muralha atribuída a este período (Albuquerque e García, 2017, com bibliografiaAlbuquerque, P. e García Fernández, F. J. (2017). “Mértola entre el Bronce Final y el inicio de la presencia romana: problemas y perspectivas de investigación”. Habis, 48, pp. 7-30.). Compreende-se, portanto, a importância da identificação dos primeiros contextos primários deste período na Área de Expansão da Biblioteca de Mértola (Palma, 2016Palma, M. F. (2016). “Arqueologia urbana na área de expansão da Bibliteca de Mértola”. Arqueologia Medieval, 13, pp. 5-16.), nas traseiras dos Correios (Lopes et al., 2010Lopes, V., Palma, M.ª F., Gómez, S., Torres, C., Feio, J. e Bento, C. (2010). “Intervenções arqueológicas de emergência no Eixo Comercial de Mértola. Alguns dados preliminares”. En: Pérez Macías, J. A. e Romero Bomba, E. (coords.), IV Encuentro de Arqueología del Suroeste Peninsular. Huelva: Universidad de Huelva, pp. 1174-1197) e, mais recentemente, no Largo do Terreiro da Feira, num pequeno morro onde já tinham sido identificados restos de enterramentos da Idade do Ferro (Miguel et al., 2019Miguel, L., Albuquerque, P., Evangelista, L. S. e Lourenço, M. (2019). “Trabalhos arqueológicos na necrópole sidérica de Mértola: resultados preliminares das sondagens arqueológicas”. Apontamentos de Arqueologia e Património, 13, pp. 41-46.).

Apesar de todos os problemas de investigação sobre o I milénio a. C. em Mértola, não parece descabido afirmar que a sua importância estratégica é inegável, sobretudo em períodos de intensificação de trocas comerciais, pela sua posição no contexto da navegabilidade do Guadiana e pelas suas condições naturais de defesa. Tal situação não foi alheia às comunidades que ali se instalaram, uma vez que a comunicação fluvial podia ser complementada pelas vias terrestres que ligavam Myrtilis a outras áreas mineiras, permitindo um fácil escoamento de produtos, por um lado, e um privilegiado acesso à importação de bens e ideias oriundos do Mediterrâneo e de outros portos atlânticos, por outro. Tal parece ter-se reflectido na importante presença de grupos itálicos nesta área a partir do séc. II a. C. (García Vargas, 2019García Vargas, E. (2019). “The Economy and Romanization of Hispania Ulterior (125- 25 bce): The Role of the Italians”. En: Cruz Andreotti, G. (ed.), Roman Turdetania: Romanization, Identity and Socio-Cultural Interaction in the South of the Iberian Peninsula between the 4th and 1st Centuries BCE. Leiden [etc. ]: Brill, pp. 164-185.), assim como nas emissões monetárias que, segundo interpretações mais recentes, estavam vinculadas à actividade mineira (Chaves e García, 1993, p. 391Chaves Tristán, F. e García Vargas, E. (1993). “Gadir y el comercio atlántico a través de las cecas occidentales de la Ulterior”. En: Arqueología en el entorno del Bajo Guadiana. Huelva: Universidad de Huelva, pp. 375-392.).

Ao longo deste texto pudemos ver como evoluíram as perspectivas sobre o passado remoto de Mértola, especialmente a partir do séc. XVI, depois de autores árabes como Al-Rāzī darem a entender que existiam, na Martula islâmica, edifícios antigos, cuja identificação pode, eventualmente, associar-se ao desmantelamento de estruturas anteriores durante este período, constatada em escavações arqueológicas, assim como ao reaproveitamento de materiais que Resende referiu nas Antiguidades Lusitanas. O facto de Myrtilis ter sido assinalada nas fontes clássicas como um município de direito latino atraiu as atenções dos eruditos, motivando também as conjecturas sobre a origem do nome e, por conseguinte, dos seus fundadores. Este interesse ganhou novos contornos com o reconhecimento de uma provável oficina de cunhagem nestas paragens, abrindo-se novos rumos de debate que só a arqueologia, a partir de Estácio da Veiga, conseguiu desbravar, quer em prospecções, quer em escavações. Mas, como se constatou ao longo destas linhas, ainda há muito por fazer e por descobrir no estudo das primeiras fases da ocupação humana deste “último porto do Mediterrâneo”.

NOTAS

 
*

Este trabalho realizou-se no âmbito do Projecto “O Baixo e Médio Guadiana (sécs. VIII a. C. - I d. C.): Percursos de uma fronteira”, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, I. P. (SFRH/BPD/110188/2015).

1

As transcrições dos textos são semi-diplomáticas, i.e., respeitam a ortografia original, embora se desenvolvam abreviaturas e se coloque pontuação para uma melhor compreensão.

2

Em Portugal, o Hebraico começou a fazer parte dos programas de Santa Cruz de Coimbra por volta de 1538, seis anos depois da impressão de um léxico, hoje perdido, de Grego e Hebraico (Paiva, 1532Paiva, H. (1532). Lexicon Graecum, & Hebraicum. Coimbra: Monasterio Sactae Crucis. ; Anselmo, 1926, p. 120, nº 445Anselmo, A. J. (1926). Bibliografia das obras impressas em Portugal no século XVI. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal.; Rodrigues, 1973, pp. 16-17Rodrigues, M. A. (1973). “O estudo do Hebraico em Portugal no século XVI”. O Instituto, 136, pp. 1-96.), com o objectivo de incrementar a cultura do Clero e a formação de futuros missionários por parte de D. João III (Rodrigues, 1973, p. 3 ss.Rodrigues, M. A. (1973). “O estudo do Hebraico em Portugal no século XVI”. O Instituto, 136, pp. 1-96.; Matos, 1950, pp. 32-33Matos, L. de (1950). Les Portugais à l’Université de Paris. Coimbra: Universidade de Coimbra.), num contexto em que esta língua assumia papel relevante entre os eruditos e eclesiásticos (Beato, 2020Beato, S. C. (2020). “O ensino do Hebraico em Portugal e o seu lugar na humanitas universitária”. Revista de História da Sociedade e da Cultura, 20, pp. 381-396. ). Além-fronteiras, este estudo estava já bastante consolidado em cidades como Paris (p. ex., Gesner, 1540Gesner, C. (1540). Mithridates... De differentiis linguarum tum veterum tum quae hodie apud diversas nationes in toto orbe terrarum in usu sunt… Tiguri: Froschoverus. , com reflexões sobre vários idiomas, entre eles o Fenício e, justamente, a sua relação com o Hebraico; Postel, 1552Postel. G. (1552). De Foennicum literis, sev de Prisco larinem & Grecem linguem charactere, eiúsque; antiquíssima origine & usu. Paris: Martinum iuuenem.; cf. Matos, 1950, p. 112 ss.Matos, L. de (1950). Les Portugais à l’Université de Paris. Coimbra: Universidade de Coimbra.).

3

Apesar da riqueza documental do estudo de J. V. Serrão (1972, p. 186 ss.)Serrão, J. V. (1972). A Historiografia portuguesa: doutrina e crítica, Vol. I, séculos XII - XVI. Lisboa: Verbo., não se comenta a referência que faz Brito a Pinheiro. Poder-se-ia questionar se estes apontamentos faziam, ou não, parte dos materiais coligidos para a Crónica, mas não há qualquer informação a este respeito, explícita ou implícita, quer nos documentos já publicados, quer na bibliografia crítica. De qualquer modo, uma carta de Pinheiro ao Conde da Castanheira reflecte, com a eloquência que o caracteriza, como o autor via o ofício de historiador e o conteúdo ideal de uma crónica: “E lembrame que fazendome V.S. merce de nestas e algumas outras cousas ouuir meu indiscreto parecer, tambem concedia que se não podia de todo desculpar a negligencia dos príncipes passados, que, multiplicando os oficiaes da camara e da fazenda, cargo de sua fama entregaram a hum só e nam com muito exame, fazendo modo de socessam no que deuia ser eleiçam escolhimento, quanto mais que auendo de mandar digerir e ordenar diferentes coronicas, humas dos feytos illustres para o universo mundo, outras para exemplo dos príncipes vindouros” (apud Viterbo, 1899, pp. 422-433Viterbo, S. M. S. (1899). “Estudos sobre Damião de Góis”. O Instituto, 46, pp. 426-438; 631-640; 744-750; 815-818; 869-878; 930-934; 1067-1071. ).

4

Str. 3.2.15. Veja-se, a este respeito, o texto da História de Portugal, de Fernão de Oliveira/ Fernando Oliveira (c. 1507-1582), escrito em torno de 1580, fl. 3-4. Encontra-se em preparação a edição da obra completa deste autor. Cf. Franco, 2000Franco, J. E. (2000). O mito de Portugal: a primeira história de Portugal e a sua função política. Lisboa: Roma.. A respeito de Resende, Oliveira comenta o seguinte: “Évora cidade também é bem antiga. De cuja antiguidade <em nossos dias escreveu> mestre André de resende natural dela, e homem havido por mui lido, e amigo de antiguidades, e curioso de ler pedras romanas: <porém> porque tinha o entendimento duro, como as mesmas pedras, não se sabia desapegar delas: e cuidava, que em Roma se comprendiam todas as antiguidades” (fl. 12-12v).

5

O capítulo 7 desse diálogo foi dedicado aos municípios de direito latino conhecidos em solo português, a saber, Évora, Mértola e Alcácer do Sal. O facto de Resende ter analisado as antiguidades da primeira cidade inibiu Arrais de se deter muito nela: “remitouos a sua historia, trilhada per mãos de toda Hespanha” (1589, fl. 86v).

6

Nota à margem: “Lib. 2 Antiq. Lusit. Pag. 55”

7

VERG., G. 3.34.

8

Vid. os textos de Isidoro (Etimologias 13.16.8), Arrais (1589, fl. 56v-57)Arrais, Fr. A. (1589). Dialogos de Dom Frei Amador Arraiz, bispo de Portalegre. Coimbra: Casa de Antonio de Mariz. e Flórez (1758a, p. 236)Flórez, E. (1758a). España Sagrada … Vol. XIV. Madrid: Antonio Marin..

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